Alerta de Spoiler: Não!
Por que não?
A prática da Constelação Familiar não se configura como método ou técnica psicológica e apresenta incompatibilidades éticas com o exercício profissional da Psicologia. Das responsabilidades da Psi, encontradas no Código de Ética da Psicologia, no Art. 1º item c: A Psi deve prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentadas na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional.
Ela se sustenta em bases epistemológicas frágeis, onde cada constelador tende a interpretá-la e aplicá-la de maneira diversa, o que favorece o aparecimento crescente de diferentes práticas, com promessas apelativas de solução de problemas, inclusive associadas a vidas passadas ou à revelação das soluções de problemas por meio da observação do comportamento de animais.
Mas faz tão mal assim?
Diversos pressupostos teóricos da Constelação Familiar – entre os quais: a concepção de casal baseada no patriarcado e na héterocissexualidade compulsória; a naturalização da desigualdade de gêneros nas relações conjugais e familiares; a naturalização do vínculo biológico sem considerar aspectos históricos, sociais e políticos que constituem as famílias; a exclusão de diferentes expressões familiares – mostram-se contrários a diversas Resoluções e outras normativas do Sistema Conselhos de Psicologia, além de leis que possuem interface com o exercício profissional da categoria.
Ela não tem sigilo!
A técnica das Constelações Familiares é realizada muitas vezes com a transmissão aberta das sessões grupais e individuais, inclusive online e pelas redes sociais, de modo que qualquer pessoa pode acessar e assistir ao conteúdo que está sendo repassado. Tal conduta é incompatível com o sigilo profissional, conforme dispõe o art. 9º do Código de Ética da Psicologia, segundo o qual: “É dever da Psi respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional” (CFP, 2005).
Ela viola Normas e Direitos!
Existe descompassos entre a Constelação Familiar com o conteúdo da Resolução CFP nº 1, de 22 de março de 1999, que “Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual”, a qual consolida como referencial técnico e ético para o exercício da profissão uma perspectiva despatologizante da diversidade sexual e de gênero.
Tal prática pode sugerir o desrespeito às Referências Técnicas para atuação de psicólogas em Programas de Atenção à Mulher em situação de Violência. Segundo essas referências técnicas: Todas as possibilidades de atuação da Psi devem se orientar pelo fortalecimento do protagonismo das mulheres e pelo entendimento multidimensional da violência, como produto das relações desiguais legitimadas e produzidas nas diferentes sociedades.
E também com Resolução CFP nº 1, de 29 de janeiro de 2018, que estabelece normas de atuação para Psis em relação às pessoas transexuais e travestis; Com a Resolução CFP nº 8, de 7 de julho de 2020, que estabelece normas de exercício profissional da psicologia em relação às violências de gênero. E com a Resolução CFP nº 8, de 17 de maio de 2022, que estabelece normas de atuação para Psis em relação às bissexualidades e demais orientações não monossexuais.
A Constelação Familiar viola as diretrizes normativas sobre gênero e sexualidade consolidadas pelo Conselho Federal de Psicologia. Reproduzindo conceitos patologizantes das identidades de gênero, das orientações sexuais, das masculinidades e feminilidades que fogem ao “padrão” imposto para as relações familiares e sociais.
E fere nossos Princípios Fundamentais!
No Código de Ética da Psi, nós temos 7 Princípios Fundamentais, onde a Constelação Familiar fere diversos, com destaque para os seguintes:
I. a Psi vai basear seu trabalho no respeito, na promoção da liberdade, dignidade, igualdade e integridade do ser humano, usando a Declaração dos Direitos Humanos como base.
II. a Psi vai trabalhar buscando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas, contribuindo para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. a Psi atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.”
A bicha é audaciosa!
A Constelação Familiar admite explicações ou justificações para o uso da violência como mecanismo para restabelecimento da uma hierarquia violada, ao passo que outros atribuem às meninas e mulheres a responsabilidade pela violência sofrida.
Também viola a legislação federal sobre direitos de determinados grupos sociais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que vê crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos. Enquanto a Constelação Familiar reconhece o lugar da infância e da juventude por um viés conservador, preso à naturalização da falta de direitos e de submissão através de violência frente aos genitores.
Saúde Mental não é Fast Food!
Outro ponto que pode resultar em infração ética, consiste no fato de que a Constelação Familiar é uma abordagem utilizada em diversos contextos e alguns processos são “resolvidos” em uma única sessão.
Mas esse tipo de sessão da Constelação Familiar pode causar de forma brusca, uma emergência de estados de sofrimento ou desorganização psíquica, e essa técnica não abrange conhecimento técnico suficiente para o manejo desses estados.
Conflitando com todos os artigos do Código de Ética comentados anteriormente e muito mais!
Mas Atenção!
A Psi em sua prática enquanto Psi, NÃO PODE fazer uso da Constelação Familiar. Mas enquanto pessoa, indivíduo, fora da atuação como Psi, é livre.
A Psi, não pode divulgar que faz Constelação Familiar juntamente da divulgação de seu trabalho enquanto Psi. Mas como pessoa, indivíduo, fora da atuação Psi, pode. Se a pessoa tiver 2 perfis nas redes sociais: 1 pra Psi e outro pra Constelação Familiar, ela pode. Não pode fazer a divulgação junto.
Fica a seu critério escolher uma Psi que atue com Constelação Familiar SEPARADO da atuação Psi. Ela realmente vai separar as crenças da Constelação Familiar na hora que tiver de atuar com a neutralidade e ética da Psicologia? Deixo esse questionamento com você.
E deixo também, a referência para a produção deste conteúdo: A NOTA TÉCNICA CFP Nº 1/2023, que “Visa a orientar psicólogas e psicólogos sobre a prática da Constelação Familiar, também denominada Constelações Familiares Sistêmicas.”. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2023/03/Nota-Tecnica_Constelacao-familiar.pdf
Se a Psi for antiética, cabe denúncia!
Se você tiver conhecimento de algum/a/e Psi que esteja atuando de forma antiética, promovendo tais práticas ou sendo conivente com esse tipo de absurdo, DENUNCIE! https://crppr.org.br/fazer-denuncia/